março 17, 2003

The Lurker e Adamastor (ou Caveat Felix)

O centro de qualquer grande cidade ocidental não varia muito, independentemente do país em que você se encontre. Via de regra trata-se de um amontoado de edifícios, carros, gente apressada, vocês sabem. Existem, contudo, eventuais oásis de tranqüilidade, que surgem de tempos em tempos.

De meu escritório, no quarto andar de uma destas modernas torres de concreto e vidro, sou privilegiado com a vista de um gramado verde, bem cuidado, um destes oásis urbanos onde se pode relaxar. É lá que ele se deita pela manhã cedo. Na saída de sua casa, preguiçosamente observa o corre-corre geral e o eventual transeunte que nem sequer o percebe, oculto que permanece dos olhares apressados. Sua calma e placidez são as de quem, após uma noite de diversão, tem o dia inteiro para descansar seu físico bem proporcionado. Para ele tudo está bem: sabe que o mundo lhe pertence. Seus olhos verdes observam com desdém o executivo afobado, como quem imagina o que poderia ser tão importante para fazer com que alguém perca seu café da manhã.

Pelas nove horas ele sobe para um ponto mais elevado, onde o sol que atravessa os edifícios, vindo do Lago, pode aquecê-lo melhor, passeando com seus raios sobre o corpo esguio. Dali a pouco será hora de seu banho, e ele se lavará sem pressa, enquanto o mundo prossegue seu ritmo frenético em volta do jardim. Este é o amanhecer do Adamastor. Ele é um gato.

O animal mesmo. Porque? Pensou outra coisa? Felix Catus, gênero Domesticus, sim senhora. Possui uma pelagem amarela rajada de laranja e manchas brancas no peito, patas e atrás das orelhas. Refiro-me a ele utilizando o masculino porque não tenho lá muita certeza do gênero e, numa cultura machista como é a nossa, o masculino é o que se apresenta preferencialmente na formação das sentenças. Dizem que é freqüente que não se tenha certeza com gatos, ainda mais quatro andares acima do chão. Eu não sei. Entendo pouco de gatos.

Adamastor fez sua casa no jardim imediatamente abaixo da minha janela. Ele habita um espaço entre a grama e uma falha na estrutura do prédio à frente que permite que ele entre por baixo e se acomode no que eu imagino sejam os alicerces. Deve ser espaçoso por lá.

Adamastor passa o dia fazendo as coisas que os gatos fazem: quase nada. Pega seu sol até as quatro da tarde, quando começa a se preparar para a festa.

Em dias em que o trabalho pesa mais, o prazo encurta, a responsabilidade aperta, o micro trava, eu olho para o jardim e penso. Eu queria ser o Adamastor...

The Lurker says: A felicidade está nas pequenas coisas.